quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

POBREZA GARANTIDA

« O dinheiro é como que um sexto sentido, sem o qual os outros cinco funcionam mal», Graham Greene, escritor britânico

O meu amigo professor Fernando Delfim da Silva, inspirado na vida de "ngenhero" dos guineenses e, provavelmente, na denominação portuguesa de Rendimento Mínimo Garantido, cunhou a feliz expressão "POBREZA GARANTIDA", que usa, quase que sempre, no programa de debate semanal na Rádio privada Bombolom, no qual participa na qualidade de um dos comentadores residentes sobre acontecimentos nacionais e internacionais.
Desnecessário se torna dizer que está coberto de razão o prof. Delfim da Silva. E do meu ponto de vista, faz muito bem em denunciar vezes sem conta a vida miserável do guineense; ainda que haja quem diga que ele também tem culpas no cartório por ter sido ministro do maior destruidor da Guiné-Bissau, o ex-Presidente Nino Vieira. Ao que parece, o prof. Delfim da Silva está cônscio dessas críticas e não tem deixado de fazer mea culpa.

Voltando ao que mais importa, diga-se que, em abono da verdade, sempre que se cruza com um guineense e se lhe pergunta, à laia de cumprimento, como está? A resposta é, quase invariavelmente, «ngenhando» (querendo com isso dizer, «estou a tentar sobreviver, a tentar manter-me à superfície») ou, em alternativa, poderá dizer «mais ou menos». E se insistir com ele, perguntando, "é mais para mais" ou "mais para menos". Ele vai responder, seguramente, "para menos".

"Mais para menos" porque está tudo por fazer; "mais para menos" porque mal se sente a presença do Estado em Bissau quanto mais no Interior; "mais para menos" porque o povo está teso, falido que nem uma criança e sem poder de compra; "mais para menos" porque os funcionários públicos ganham uma miséria, não têm onde encostar mortos, muitos menos condições de trabalho e, para mais, tendo de aturar chefes, por via de regra, corruptos, arrogantes e mal-comportados; "mais para menos" porque a competência, o esforço, o mérito não são reconhecidos; "mais para menos" porque a luzinha que se via ao fundo do túnel até há coisa de poucos meses era fraquinha de mais para acalentar alguma esperança no futuro; "mais para menos" porque os mais velhos ficam com tudo, condenando os jovens a uma menoridade sem fim (pois, nunca se é "grande", leia-se maduro, na Guiné, face aos mais velhos).

Para se ter uma ideia da pobreza guineense, refira-se que um assessor de ministro ganha, cerca de duzentos e tal euros apenas e só. É com esse montante, de todo irrisório, que terá de arcar com todas as despesas; desde casa, comida, transporte, luz eléctrica, água, saúde, escola dos filhos, saldo telefónico etc e tal. É caso para se perguntar: Como é possível viver-se apenas e só com duzentos e tal euros?! É simplesmente impossível. Que tipo de trabalho é esse?! Que Guiné é que estámos a construir?! Assim, não espanta nada que assessores que tenham a infelicidade de ter um ministro mau, egoísta, se vejam obrigados a apanhar "toca-toca" (transporte colectivo), ir de táxi (simplesmente incomportável), pedir boleia ou ir a pé, tendo de percorrer quilómetros sob um sol abrasador.
Uma irmã de um amigo meu, assegurou-me aqui há meses que o seu irmão mais velho, por sinal alto funcionário de um dos Ministérios mais importantes do país, mandou a mulher para Portugal a fim desta trabalhar para que o filho de ambos possa estudar. É, no mínimo, convenhamos, grave.

Uma Directora-Geral de um grande Ministério farta-se de lamentar das dificuldades financeiras por que passa e diz, vezes sem conta, « se não fosse o meu marido (que ganha bem), que seria de mim?!»
Como se compreende do exposto, os Directores-Gerais não ganham lá grande coisa. Auferem cerca de quatrocentos e tal euros. Têm um carro de serviço ao seu dispor; ainda que a esmagadora maioria se veja em apuros em matéria de arranjar combustível para o alimentar.

Os Ministros também não ganham bem, muito pelo contrário. O salário anda à volta de oitocentos euros. Só que, o espaço de manobra de um ministro é grande de mais, sobretudo, num país em que o "ministro é o Ministério"( isto é, sua propriedade. Já que não tem contas a prestar a ninguém). Além de carro, casa e outras regalias, o ministro sempre poderá contar com os dinheiros das viagens, com os fundos que vão entrando no Ministério para levar uma boa vida.
Daí não ter constituído novidade nenhuma a afirmação do Director-Geral do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP), Dr. Mamudo Djau, proferida numa conferência realizada no Palace Hotel, de que «para se ter boa vida (na Função Pública Guineense) é preciso ser-se ministro».

Se assessores e directores-gerais passam mal, o que não passarão os outros, sobretudo, os chamados "pessoal menor".
Tal é a gravidade da situação. Como é que não se conspirará para se ser ministro, uma vez que é o único que pode "estar sabe"?! Como é que pode haver honestidade e estabilidade num país tão injusto como é a Guiné?!
Enganam-se aqueles que pensam que podem ficar com tudo e para sempre.

Oxalá que o ano 2012 seja diferente para melhor!
Boas Festas para todos e muita saúde!

Um comentário:

  1. Uma análise crítica construtiva, sobre aspectos da real sobrevivência dos guineenses, num país em que, para muitos, dizer o que está mal é sinónimo de ser inimigo da Pátria. Parabéns!

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