quinta-feira, 1 de agosto de 2013

A VIDA DE UM JORNALISTA

- "Filho, preciso de falar contigo, em particular, de maneira que ninguém nos oiça."
- "Está bem, mãe." O filho jornalista, preocupado, começa a procurar pistas sobre o que poderia ser o teor da conversa. Talvés tivesse que ver com a sua vida de solteiro inveterado, ou pior, com a sua última crónica na televisão intitulada "A GUINÉ JÁ NÃO É O QUE ERA", na qual chamava a atenção para a desorganização que ia no país, devida em parte, à forte imigração dos vizinhos. Que fosse tudo menos esse assunto! Fazia votos. Uma vez a mãe vivia numa vila do interior, sem luz eléctrica, só poderia inteirar-se da peça por intermédio de terceiros. O que o inquietava ainda mais. Pois, se fosse o caso, a entrevista seria penosa. Ter de discutir o seu trabalho com a pessoa que mais amava no mundo, sobretudo, tratando-se de um assunto delicadíssimo, pesava-lhe o coração.

Assim que a ocasião se apresentou, a mãe sentou-se na cama e o filho na esteira. A mãe abriu a matar:
- " Não vejo nada de jeito  que tenhas feito (ganho, leia-se) desde que regressaste ao país, carregado de diplomas da tuga. Nem terreno tens. A minha casa está uma vergonha. Se não fosse as boas graças do Senhor já estaria morta de fome. Os teus sobrinhos, primos, colegas que têm poucos estudos, não trabalham na Função Pública e nunca viram o interior de um avião estão, de longe, melhor que tu. Que se passa contigo, filho?! Já estou cansada de te ver neste estado, sem nada, pobre que nem um recém-nascido."

Que alívio! Pensou o jornalista. Era mil vezes preferível ouvir da mãe a sua própria desventura na terra onde os seus cordões umbilicais estavam enterrados fazia tempo a ter de lhe prestar contas sobre o seu ofício, importante, mas desconsiderado pelo poder.

- "Outra coisa, querido. Vejo-te muito caseiro sempre que me vens visitar. Ainda que me agrade e muito a tua companhia, gostaria de te ver mais envolvido com a comunidade, visitando familiares e amigos nossos. Só te ficava bem."

Quando a sua progenitora acabou, o jornalista era um misto de sentimentos contraditórios. Sentia-se  chocado, triste, grato e contente com a abertura de espírito da sua amada mãe, uma das  principais razões, se não mesmo a prtincipal, do seu retorno ao país natal.

- "Sei tudo isso, mãe. E não é que não queira estar bem na vida. Claro está que adoraria ter a minha casa, o meu carro, um salário digno, um pequeno negócio limpo e proporcionar-te uma boa vida. Mas como?! Se os dois vencimentos que aufiro (como jornalista e professor universitário) são de "praga", uma vez que  mal chegam a 100.000 xof (um pouco mais de 150 euros). Só para ter uma ideia, mãe, do crime que por aí anda, ainda não sou efectivo na Função Pública (aliás, já estou fora do sistema, ainda que esteja recenseado no quadro da  Reforma e Modernização do Estado), não obstante os dez anos (sem contar com outros quatro de professorado liceal", que levo da Função Pública. Ninguém me consegue dizer do paradeiro dos meus documentos (ou seja, do processo de efectivação). Nem o Ministério da Educação, o ponto de partida, nem o Ministério da Função Pública, quanto mais o das Finanças. Na Guiné é preciso que o interessado "ande atrás dos seus documentos" de um Ministério para outro, como se fosse a coisa mais natural do mundo, para que não se extraviem. São dez anos perdidos, mãe, ou melhor, catorze. Não passo de um contratado, ainda para mais, mal pago."

- "Quanto a visitar amigos e familiares, nada me daria mais prazer que isso; só que, mãe, ir não custa nada. O que custa mesmo é levantar-me da cadeira para me despedir sem deixar um tostão ao anfitrião. Sinto-me pequeno e todo envergonhado."
- "Deixa-te disso. Não podes dar dinheiro a toda a gente e a toda a hora."
- "Mas eu sou assim, mãe; não consigo; custa-me tanto. "
-"Era o que te queria dizer. Podes ir", assim se despedia a mãe.
Esta última  frase despertava no filho uma vontade  incrível de continuar a entrevista com a mãe  até ao mais infinito. Como gostava dela!

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