domingo, 14 de agosto de 2011

BINTA, A ENIGMÁTICA

Deambulando pelo palco à caça de uma presa, viu-a uma vez, e mais tarde, outra, sempre parada nalgum canto. Alta e esbelta. Não muito bonita. Ficou-lhe na retina.
Tarde da madrugada, estacou num dos lados do corredor para ver melhor as beldades que iam entrando e saindo. Não é que a vê a sair! Daí a puxá-la para si foi um passo.

- Olá, gira! Que linda que tu és!
- Obrigada!
- Não tem de quê!
- Não te importas de dizer-me o teu nome?
- Binta.
- E tu, como te chamas?
- Babadjema.
- Prazer.
- O prazer é todo meu.
- Não, não pode ser só teu.
Ao que riram com gosto.
- Adoraria ser teu amigo.
- Já somos.
- Já agora, o teu número de moba, se não te importas...
- antes dá-me o teu.

Dias volvidos, viu um toque no telélé.
Telefonou. E quem é que havia de ser?!
Era ela, a Binta dos seus sonhos.
"Céus! Abençada seja!" - Disse para os seus botões.
Trocaram algumas palavras triviais, como seria de esperar.

Voltou à carga dias depois, dessa feita para lhe convidar para o templo. Babadjema disse-lhe que ia ver.
Nesse dia, que era sabado, aí pelas 21 horas, contactou-a para combinarem. Ela disse-lhe que não tinha um chavo para apanhar táxi.
Tranquilizou-a, tendo prometido ir apanhá-la, desde que aparecesse sem amiga - virou moda em Bissau convidar uma e aparecerem, como de uma geração espontânea, muitas, tesas que nem uma criança de peito.
O encontro ficou para às 23 horas (não fosse pagar a tarifa das 24 horas), numa das "entradas" de Bairro Militar. Contava com a sua pontualidade.
Pouco antes da hora marcada, chegou ao local. Escusado será dizer que ficou estupefacto pela curta distância que separa esse local da discoteca. "Por que carga de água é que ela não se propôs ir a pé, poupando-me, assim, os míseros francos cfa de que disponho?!" disse de si para si.
Ligou. Ainda não estava a postos. Que aguardasse, que ia calçar-se.
Esperou, esperou "hoje e amanhã". Nada.
Às tantas, vislumbrou no escuro, duas badjudas. Pensou que fosse ela e uma amiga. Escondeu-se o mais que pôde, não fosse descoberto da espionagem a que, num repente, se viu forçado.

Pouco depois, a Binta mandou-lhe um liga-me.
Desconfiado que estava, não ligou.
Estudaria a situação. Entretanto, as duas raparigas se tinham sumido do seu campo visual.
Outro liga-me. Para não variar, não ligou.
Para se certificar, decidiu sair do seu esconderijo. Quando se preparava para atravessar a estrada... ouve uma voz femina chamar, voz que mais parecia vinda do fundo de um poço.
Mudou de rumo, seguindo em direcção da voz. A Binta estava à sua espera num canto escuríssimo da silva, o que o espantou de sobremaneira. " De que estaria a esconder-se?" Perguntou-se. Ao juntar-se-lhe, beijaram-se, em cumprimento da praxe, e saíram logo para a estrada. Chamaram um táxi. 
A discoteca estava à espera das duas aves nocturnas. Na verdade, quanto mais dessas houvesse melhor para os bolsos de um dos mais famosos espaços nocturos da capital guineense, se não o mais badalado de sempre, e também para as algibeiras das mulheres do termo, dos bares adjacentes, dos nares...

Ela avisou que não podiam descer juntos (provavelmente,  matutou Babadjema, por causa dos "bocassinhos"). Assim, apeou-se perto da curva que conduzia à Catedral, não sem antes de receber os 500 xof para o ingresso. Não podiam ser vistos juntos, pelos menos, cá fora.

Babadjema não entrou logo.Fez um compasso de espera para saborear a beleza presente e a chegar. Sabia bem, se sabia!!! "Ó meu Deus! Ó paraíso!", exclamava para os seus botões, sempre que passava uma imprópria para cardíacos. De facto, não dava para resistir. Que badjudas bonitas e boas prontas-a-comer!

A demora de Babadjema não agradou à Binta.
Assim, desatou a enviar liga-me atrás de liga-me.
Era chegada a hora de entrar. Juntou-se-lhe. Mais pareciam um feliz casalinho de namorados. Como as aparências enganam! Depois de terem saboreado, ela um fanta, e ele um vitamalte, nectar de sua predilecção, curtido, sentados, claro está, alguma música, a páginas tantas, disse que queria ligar a uma prima para a convidar para a desbunda. Para tanto precisava só e só de 500 xof.
Babadjema tentou fazer ouvidos moucos. Pois, não lhe agradava a ideia. Ela lá insistiu.
Que ligasse do seu telemóvel, dele Babadjema.
Que deixasse. Que já não era preciso. Bufou ela.
Mau sinal, profetizou Babadjema. Ficaram mudos e tensos durante um bom bocado. Havia que fazer qualquer coisa.
- A menina dança?
- Não, obrigado!

Mais mutismo e tensão no ar e nos dois corações.
Que fazer?! Logo com ele que gostava tanto de abanar o capacete...

Babadjema pede licença para se ausentar, apresentando um pretexto inaudível e irrepetitível, por confuso e sem nexo.
"Se ela não quer..." veio-lhe à ideia.
Era de partir para outra. E partiu mesmo.

Não tendo conseguido, voltou para junto dela com o rabo entre as pernas. A Binta não lhe ligou nenhuma.. Pudera!

Voltou a partir, decidido a não mais voltar para a enigmática.
Experimentou dançar sozinho, como aquecimento para voos mais altos. "começar com o pé esquerdo pode não constituir uma fatalidade. Nunca se sabe. A ver, vamos", animou-se.

Foi descoberto pouco depois. Não era difícil; uma torre vê-se à léguas de distância.
Exigiu do Babadjema outro fanta. Que fosse aguardar no seu cantinho o sumo. Acreditou.
Babadjema não fez caso.
Como não aparecesse com o nectar, saiu à sua procura.
Assim que Babadjema deu conta, escondeu-se.
Ela procurou, procurou... e nada. Desistiu.

Nesse interim, não é que aparece uma presa impossível de deixar para a concorrência!
Babadjema viu-se forçado a sair da toca. É avistado.

- Convidas-me e não tens dinheiro?! Era só o que mais faltava - Ataca a Binta.
- Dá-me dinheiro que quero ir para casa.
- Espera só um poucochinho! - Pede Babadjema.
- Não, não espero nada! Tenho de ir-me embora e já. Faz-se tarde.
- Já te disse para aguardares -Fingiu impacientar-se.
- Se não me dás agora o dinheiro, chamo os meus irmãos. Não te esqueças que sou do Bairro Militar.
- E daí?! Procurou armar-se em corajoso.
- Nós do Bairro Militar sabemos como ninguém tratar da saúde. E os meus manos não andam longe.

Que eram 500 xof para o Babadjema, apesar do seu salário de fome de alto funcionário público?! Salvar a pele afigurava-se a melhor política.
Por dá cá aquela palha, quantas pessoas não terão morrido nos últimos anos.
Logo emergiram do subconsciente do nosso herói imagens do assassinato selvático de um amigo seu.

Despachou-a.
Estava livre para novas aventuras.
De resto, não se saiu bem.

Ela continuou a cirandar pela discoteca. Quando o Babadjema se ia embora, viu-a, pela última vez, na parte exterior, com outro homem, toda enroscadinha como uma gata. Fez que não a viu e bazou para casa.
A noite correra mal, mas continuava vivo. Era o que mais importava. Até porque a Guiné, não obstante a sua mísera vida, é riquíssima em badjudas de cortar a repiração...

GLOSSÁRIO:

Badjuda - rapariga;
Mulheres do Termo - mulheres que vendem sandes, cervejas..., nas imediações da discoteca;
Nares - comerciantes mauritanianos;
Bocassinhos - a má-língua.

Um comentário:

  1. Selo gostei de ler o teu Blog. Está, ou melhor, é, realmente um "Livro" onde quase que sentimos alguém a contar-nos uma bela estória! Adorei! Continue, porque foi muito agradável ler-te. Parabéns amigo, este Blog vai ser a partir de hoje, uma paragem obrigatória, nas minhas andanças durante a navegação com o clik do rato (mouse nesta banda), olha noutro dia “teclamos” e não lembrei de dizer-te, que estou a anotar num papelinho, algumas palavras, com “toque braseilo” que agrada ouvir; por exemplo “ACOSTAMENTO”, descobri-o à dias. Tenha a certeza de que sempre que navegar darei um acostamento, no teu “Viver para Contar” ...Escolheste uma bela foto "o sorriso", diz tudo. Os meus parabéns mais uma vez... Aquele abraço de sempre! Do colega, amigo e camarada, Helmer Araújo

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